Constelações Sistêmicas e Coaching Sistêmico


Olhos que não vêem, coração que não sente

01/09/2011 22:26

É preciso amor para poder pulsar, disse o poeta. Eu diria que é preciso ver para poder abrir o coração e se entregar ao amor e, conseqüentemente, à vida. 
 
Só existe pulsação (vida), se nos for permitido "ver". A visão de mundo está ligada diretamente a qualidade do olhar. Ver implica o corpo inteiro. Eu só posso expressar o que eu sinto ao olhar, se estiver presente de corpo e alma. Se os olhos são impedidos de olhar, o coração será impedido de amar. "Olhos que não vêem, coração que não sente", diz o ditado popular. O coração é o órgão responsável pelas sensações e sentimentos do corpo, é o centro do amor. Frases como: "meu coração acelera quando te vejo"; "meu coração bate forte quando olho para você", "ele ficou com o coração partido quando viu sua amada nos braços de outro"... mostram a relação do ver, sentir e expressar. O que a pessoa vê, trará conseqüências emocionais, e desencadeará reações corporais, que podem ser expressas ou reprimidas, trazendo também, danos físicos para o coração[1]. De acordo com Lowen, 1990, "emoções ou afetos inexpressos, por exemplo, terminam prejudicando o corpo e seu sistema fisiológico" (p.10). 
 
Vivemos em uma sociedade onde muitas vezes somos obrigados a congelar nosso olhar e suprimir nossos sentimentos em relação às imagens que nos cercam. A miopia provocada pela repressão nos impede de ver o mundo a partir da alma, do interior. Afastando o olhar das "belezas" do mundo, distanciamos o nosso corpo do nosso self (si mesmo) e distanciando-nos do nosso corpo, congelamos nosso coração para suportar a dor e não poderemos expressar o nosso olhar. Neste sentido Lowen afirma que "a sensação de estar com o coração partido, implica em muito sofrimento, perda e angustia que, depois são manifestos nos próximos comportamentos, em seu corpo e em seu caráter" (p. 10). 
 
Somente a partir da liberação do "olhar", estaremos presentes no mundo de corpo inteiro. Nosso corpo é reflexo de nossa visão. Os primeiros olhos focados em nós, determinará, na maioria das vezes, o nosso jeito de ser e estar no mundo. Por isso é importante a troca de olhares entre bebês e pais. "Os espelhos criam auto-imagem", disse Briggs (2000, p.11). Para confirmar a importância da qualidade do olhar nos primeiros anos de vida recorremos a Lowen, quando diz:  
 
"Toda vez que a mãe olha para o filho com ódio em seus olhos, é como uma adaga no coração da criança. Se olhares pudessem matar, muitos de nós [2]estariam mortos há muito tempo. Mas, embora olhares de ódio não nos matem fisicamente, nos quebram psicologicamente quando nos são dirigidos por nossos pais" (1986, p. 190-191).  
 
Os pais são espelhos psicológicos para as crianças. As relações dos pais com seus filhos são a base para a construção da identidade corporal da criança. É olhando o movimento da mãe, a princípio, que o bebê vai, através da imitação de gestos e sons, construindo sua percepção corporal e a imagem do corpo. As crianças pequenas estão ligadas diretamente aos estados (olhares) emocionais da mãe.  
 
De acordo com Briggs, "algumas experiências com bebês demonstram que o grau de receptividade carinhosa que proporcionamos criam as bases de uma futura "visão" do eu. Essa receptividade é construída pelo tipo de atenção, sorrisos, carinhos, canções e conversas que damos aos bebês" (op cit: p.13,14).  
 
As crianças estão ligadas (olhos atentos) à expressão corporal dos adultos a sua volta. No dizer de Gaiarça, "o bom diálogo é uma dança" (2000, p. 51). Nas relações inter-pares, segundo este autor, o que está acontecendo é uma dança bem combinada (ou não) de movimentos, "olhares", gestos e sons. Para ele, vamos fazendo e sofrendo muitas imitações na vida. "Nosso destino é determinado acima de tudo pelas identificações que se fizeram (sozinhas, sem que ninguém soubesse ou quisesse) através do "olhar", nos primeiros anos de vida, quando as palavras ainda significavam bem pouco" (p. 73). 
 
As crianças aprendem e se tornam semelhantes aos adultos do mundo onde elas nascem, imitando poses, atitudes e modos dos adultos que as cercam. Os jogos de papéis ( brincar de papai e mamãe, de médico, cozinheiro...) fazem parte do cotidiano infantil, e são o canal de comunicação da criança com o mundo dos adultos. Talvez seja necessário mudar as regras do jogo. O desafio é levar a criança a ver e expressar o que está sendo visto e não apenas imitar (reproduzir) o adulto em suas atitudes e valores, muitas vezes distantes do seu mundo, repleto de movimentos espontâneos e criativos. Que elas possam brincar como crianças, deixando de ser miniaturas de adulto. A tecnologia, através da mídia, principalmente a televisão, empurra a criança cada vez mais rápido para o mundo dos adultos. Quanto mais a criança foca seu olhar na tela da televisão, mais ela se distancia do seu self verdadeiro. Suas necessidades internas nunca são satisfeitas através das imagens. 
 
Como foi visto, o coração está ligado diretamente às imagens captadas pela visão. Para Lowen, "no coração ainda somos crianças". (1990, p.57). 
 
De tanto ver e não poder expressar nossos sentimentos e sensações, criamos camadas (couraça) para proteger-nos da dor de não podermos nos entregar (confiar), devido, principalmente, às repressões corporais sofridas nas relações familiares e pedagógicas quando crianças. 
 
A emoção é um movimento que vem do interior do nosso corpo através de impulsos ligados diretamente ao coração. No dizer de Lowen, "a rigidez é uma defesa contra a dor da primeira mágoa de coração partido e a possibilidade de que o coração possa ser partido de novo. Junto com esta defesa está o temor inconsciente do abandono que é o mesmo que o próprio medo do amor". (op cit, p.91) 
 
Esse medo de nos entregarmos ao amor gera uma resistência, uma negação de nós mesmos. Bennet Shapiro (S/D, p.1) diz que todos nós temos nossa negatividade. Ela se desenvolve quando ficamos muscular e energeticamente amarrados e precisamos desempenhar um papel ( o falso self). Segundo ele, estas limitações bloqueiam nossa natural agressividade, sexualidade, auto-expressão e prazer. "E uma vez que nossa auto-expressão natural está sendo constantemente limitada pela nossa estrutura de caráter, nós estamos constantemente gerando e estocando negatividade (embora geralmente esse processo fique no sub-consciente)" (S/D, p. 01). É importante destacar que nossas defesas surgiram a partir dos sofrimentos primários e atuam como proteção. Fazer contato com estas defesas e aceitá-las, ou melhor, desmascará-las é fundamental na busca do coração natural. 
 
Através do contato com a energia bloqueada, buscaremos força e confiança para "ver" e abrir nossos sentimentos primários, vulneráveis e profundos. 
 
Shapiro nos fala ainda, "que estas defesas surgem na 1ª infância como resposta protetora a sofrimentos primários, causados pela hostilidade (geralmente negada) de nossos pais e outras pessoas nocivas de nosso ambiente" (p. 02). Ele cita, a partir daí, camadas ou couraças que impedem o acesso ao nosso coração natural, ou self verdadeiro.  
 
As couraças ou camadas protetoras do coração nos faz lembrar a história de "A barracuda e a tainha": - A barracuda é um grande peixe que se alimenta, principalmente, de peixes como as tainhas. Prenderam uma barracuda e uma tainha em um grande aquário, separadas por uma divisória de vidro bem resistente. A tainha nadava tranqüila em seu espaço. A barracuda percebendo a presença da tainha partia para o ataque, mas era impedida pela barreira de vidro que mantinha os dois peixes separados no mesmo espaço. A barracuda olhava a imagem da tainha e partia novamente para o ataque, mas era impedida novamente pela divisória invisível aos seus olhos. De tanto ver e não poder comer, acabou se acostumando com a barreira de vidro que a separava de sua presa. Com o passar do tempo, ela nadava até a divisória, olhava a tainha, mas não investia contra ela, ou seja, desistia de ultrapassar o limite (bater contra o vidro). Depois de um determinado período, retiraram a divisória que impedia a barracuda de abocanhar a tainha. Mesmo assim, a barracuda não partiu para o ataque. Ela nadava, aproximava-se da tainha, olhava-a (talvez sentisse vontade de atacar), mas continuava nadando apenas no seu território (limite imposto pelos homens). Ela não conseguia ultrapassar a barreira invisível (que não existia mais), que haviam colocado para ela. Mesmo sentindo vontade de devorar seu prato predileto, ela era impedida pelo escudo invisível que o mundo havia construído para ela. 
 
Trazendo a experiência da barracuda para o nosso tema, podemos afirmar que seus olhos ficaram amortecidos de tal forma, que não conseguiam mais perceber que já não havia barreira impedindo seu desejo de devorar a tainha. De tanto bater a cabeça contra o vidro, ela desistiu de lutar (talvez fosse a dor de não poder expressar seu desejo), mesmo depois de não ter mais obstáculos em busca de alimento, reprimindo seu instinto natural de predador. Não se sabe exatamente o que aconteceu com ela, mas pode-se afirmar que se ela não libertar seus olhos desta barreira (couraça) imaginária, o que não será fácil, a cada dia a tainha estará mais distante. E como acontece com animais domesticados (aculturados), aos poucos ela vai se acostumando a comer ração. Se ela não quebrar esta barreira imaginária, passará o resto dos seus dias sem jamais saborear uma deliciosa tainha. 
 
A cultura é que nos impede de "ver" e viver a vida naturalmente, ou seja, viver a partir dos desejos que o organismo animal necessita. "Nem só de pão vive o homem", disse um grande sábio. O amor é o alimento fundamental em nosso mundo cultural, e este por sua vez, cria barreiras invisíveis entre os olhos e o coração. Os animais vão ficando domesticados, adestrados, condicionados... e nós vamos ficando a cada dia mais míopes e distantes do nosso coração natural. A miopia nos torna inseguros, desconfiados, medrosos e distantes de nós mesmos. Vamos nos encouraçando em nossos corpos com medo de nos entregarmos ao curso natural da vida, que passa fundamentalmente pelo amor. 
 
Lowen disse que a neurose é o medo da vida, "A pessoa neurótica tem medo de abrir seu coração ao amor, teme estender a mão para pedir ou para agredir, amedronta-se plenamente si mesma" (198, p.11). Está em conflito com ela mesma, se aprisiona em seu próprio corpo, tem medo de se entregar ao amor e viver plenamente. Para Lowen, "amar é abrir o coração e ela tem medo de fazê-lo por causa da dor que isso implica... o conflito neurótico ocorre entre seu desejo e o medo de amar." (op cit, p. 21)  
 
Animais (como a barracuda) talvez não sintam medo da vida, mas se forem presos são impedidos de viver. Se a barracuda tiver acesso novamente ao mar, com certeza, voltará com o tempo, a saborear deliciosas tainhas. Voltará a viver livremente em seu habitat natural, quebrando de vez, não só os vidros do aquário, mas todas as barreiras invisíveis que lhes foram impostas. 
 
A cultura nos fez animais humanos. Todo ser humano necessita de alimento para viver, e o amor é o elo de ligação inter-homens, e o coração é o centro do amor, pois ele representa nosso interior, nossos sentimentos e sensações. É preciso desvendar os olhos para perder o medo do amor e pulsar naturalmente, como pulsa o coração da criança pequena. Talvez seja isto que o sábio dos sábios quis nos dizer: "se quisermos entrar no reino dos céus, precisamos ser crianças".  
 
Após muitos anos vivendo na escuridão (dor e sofrimento), não é fácil acessar o coração de criança. As camadas protetoras (invisíveis) são difíceis de serem quebradas. O nosso mar é o nosso corpo, nossa vida. A caminhada para dentro de nós mesmos, às vezes necessita de um companheiro de viagem. Muitas vezes nos tornamos prisioneiros em nosso próprio corpo e a partir daí torna-se necessário a ajuda de um profissional (Terapeuta), que nos guiará de volta à viagem de autodescoberta, auto-expressão, auto-realização.  
 
Para sermos livres, precisamos buscar nosso coração natural. Somente o coração da criança, que ainda não foi contaminado pelo mundo cultural pode pulsar livremente; olhando a vida e quebrando todo tipo de miopia que a cultura tenha nos imposto, para podermos realmente nos entregar sem medo de amar e sermos felizes pois o que os olhos que não vêem, o coração não sente. 
 
Bibliografia: 
 
BRIGGS, Dorotthy Corkille. A auto-estima do seu filho, 2ª edição, São Paulo. 
Editora Martins Fontes, 2000 
 
GAIARSA, José A. O Olhar. São Paulo, Editora Gente, 2000 
 
LOWEN, Alexander. Amor, sexo e seu coração. São Paulo, Ed. Summus, 1990 
Medo da vida, caminhos da realização pessoal pela vitória sobre o medo. 9ª edição, São Paulo, Ed. Summus, 1986 
 
SHAPIRO, Bennet. Resistência, Negatividade e nosso Diabo. Texto utilizado no Curso de Formação em Análise Bioenergética - IABSP, Turma Vitória - ES - Tema: "Olhar terapêutico", Maio/2001.

 
 
*Carlos Antonio dos Santos 
Professor de Educação Física da Rede Estadual de Ensino do Esp. Santo 
Sócio-Gerente e Professor de Natação e Hidroginástica da Academia Aquática - Castelo-ES 
Pós-Graduado em Pedagogia: Ensino x Aprendizagem 
Psicoterapeuta Corporal - Instituto W. Reich, Vitória-ES 
Análise Bioenergética (em formação), IABSP, Turma de Vitória-ES
 
 
Autor dos livros: 
 
- NATAÇÃO - Ensino e Aprendizagem - Rio de Janeiro - RJ Editora Sprint - 1996 
- Jogos e Atividades Lúdicas na Alfabetização - Rio de Janeiro - RJ Editora Sprint - 1997 
 

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