Constelações Sistêmicas e Coaching Sistêmico
A arte de cuidar
31/07/2014 00:29
Ao desempenhar a função de terapeuta muitas vezes me sinto pequena demais perante as decisões da vida.Ajudar um paciente a se reorganizar e enxergar os seus sintomas no interior de um processo onde ele não precisa se identificar à realidade da sua própria dor e doença, por exemplo, e levá-lo a compreensão de que ele não é o “objeto” de um câncer, da AIDS ou de outra patologia (física ou psíquica), mas o “Sujeito” de um câncer, da AIDS, enfim, nem sempre é uma tarefa fácil.
Somos muitos num setting terapêutico. Terapeuta, paciente e mais tantos outros que vão chegando ao decorrer de todo o processo.
Fomos treinados a acreditar que enquanto terapeutas, não nos misturamos à dor de nossos pacientes!Isso não é verdade!
Quantas histórias nestes 15 anos de profissão me tocaram profundamente.
Quantos pacientes se transformaram no processo terapêutico e quantos desistiram de suas lutas.
E eu ali, assistindo tudo acontecer cultivando a minha escuta essencial.
Algumas vezes desejei não estar naquele lugar envolvida com aquela história toda.
Recordo-me de uma paciente jovem, bem sucedida, linda, com dois filhinhos maravilhosos que veio até mim com câncer terminal no cérebro.
Foram poucas sessões. Poucos encontros. Mas houve uma escuta amorosa, essencial para aquele momento.
Olhamos para o que era real naquela história. E fomos nos calando pouco a pouco.Passamos a sentir o que o campo nos dizia.
Ela queria se despedir dos filhos, do marido; constelar para que os filhos não passassem pelo mesmo sofrimento.
Em alguns encontros eu desejei não estar ali. Fui vendo aos poucos a minha cliente desistir e se entregar a morte. Então no momento certo nos despedimos. Nossa alma foi tocada de uma maneira sútil. Nos olhamos com um profundo respeito e amor.O último sorriso dela eu carrego até hoje em mim.
Entendi nesta experiência que a dor da morte envolve tudo o que não deu tempo de ser vivido:
A música que nunca foi dançada,os netos que não vieram,o amor que não teve tempo de chegar.
É desconstruir a vida que planejamos para a vida que nos espera.
Percebo que em alguns momentos pegamos nas mãos de nossos pacientes e os levamos onde ninguém nunca os levou.
Sinto que apesar de bonita a arte de cuidar do ser também tem seus espinhos para os cuidadores que esquecem as técnicas e olham para o que há de mais humano no processo como um todo.
Honrar as escolhas nem sempre são fáceis.
Quantas vezes eu me vi tentada a querer mudar destinos.A pedir ao paciente para não desistir.
Então assumo de novo o meu lugar e respeito qualquer decisão por mais que vá doer em mim.
Estendo o meu olhar a mim mesmo. Só posso mudar algo em mim. E me pergunto:
Qual é a lição de casa que eu deveria aprender em relação a esta pessoa e a dor que agora estamos experienciando juntos?
Se estamos juntos neste processo é possível crescermos juntos como adultos?
Qual é o meu aspecto que esta pessoa está refletindo para mim?
Qual a benção que a pessoa me oferta ao me permitir caminhar com ela neste momento tão doloroso?
Sei que perante destinos tão pesados, como doenças trágicas, só posso mudar o meu olhar e me contratar a fazer parte deste momento com menos sofrimento e com mais amorosidade.
Não posso me contentar com o absurdo da minha própria entrega e fragilidade.Nem me deixar abater pela minha dor.
Nem quero acreditar que na minha profissão nem sempre é possível à transformação.
Então mais uma vez me debruço sobre o a inspiração de Jean Yves Leloup e compreendo que vivi com meu paciente uma verdadeira experiência numinosa.
“Do ponto de vista fenomenológico, observa-se uma experiência do numinoso, seja numa experiência de transparência, seja numa experiência de dilaceramento.O numinoso nos fascina porque descobrimos a nossa realidade verdadeira e, ao mesmo tempo, nos faz medo porque questiona o nosso modo habitual de vida e de consciência. Então, o ser pode nos tocar, pode nos procurar através de experiências inesperadas felizes ou infelizes. Mas esta experiência é única. Nela ocorre algo que nunca poderemos esquecer e que não poderemos também explicar”.
Hoje tive a honra de viver uma delas. Agradeço por ter estado ali, naquele momento, com aquelas pessoas.Vejo mais uma vez o amor fluindo. Está tudo certo! Tudo como deveria estar!
Claudiane Tavares
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