A função do orgasmo

O que é a Teoria do Orgasmo? 
 
É uma Teoria que fala de saúde... 
 
... de genitalidade... 
 
... da capacidade de conter e agir ou expressar, tensionar e relaxar, expandir e contrair, amar e sentir raiva, prazer e angústia, conforme as circunstâncias. 
 
 
 
Em 1924, Reich apresentou sua tese no artigo "Sobre a genitalidade do ponto de vista do propósito da terapêutica psicanalítica". 
 
Este artigo continha duas teses: 
 
· A dificuldade da satisfação sexual genital no adulto é o sintoma básico da neurose. 
 
· A Cura depende do grau do restabelecimento da função genital. 
 
Gostaria de comentar a respeito daquilo que, parece-me, se mantém até hoje da teoria de Reich da Função do Orgasmo. 
 
Pensando nisso - no que se mantém - e por conseqüência, no que não se mantém, lembrei de uma frase que me marcou quando estava pesquisando sobre o tema Mudança: "Não existem certezas. A única certeza que temos é que tudo está sempre mudando". 
 
Será que nós reichianos temos certeza que a função do orgasmo é um conceito válido? Como ficava esse conceito, que embasava a terapia que se praticava em 1970, diante da terapia bioenergética que praticamos hoje? 
 
Colocando nosso foco na questão do orgasmo em Freud, Reich, Lowen, Keleman, Boadella, Gerda Boyesen, John Pierrakos, a Função do Orgasmo ganha peso diferenciado em cada uma dessas diferentes escolas. Vamos lançar nosso olhar do ponto de vista da Bioenergética, tomando como base um artigo escrito por Alexander Lowen em 1993, que expressa suas posições mais recentes.  
 
Lembro-me da primeira vez que fiz contato com a teoria de Lowen, em 1976, através de leitura de seus livros. Sua forma de escrever causou-me impacto. Ele parecia saber tudo, ter jeito para tudo. Aquilo me fascinou, satisfazia minha onipotência. Mas, como tudo na vida, ele mudou, eu mudei ... Hoje Lowen reconhece, com a sabedoria dos seus 90 anos, que havia uma certa arrogância em sua postura anterior. Acho que certezas conduzem a arrogância. Certeza e Arrogância têm tendência a formar uma liga, uma liga que apresenta alta resistência a mudanças. O perigo é a estagnação. 
 
André Gide disse que "Uma Teoria só é boa se pudermos nos servir dela para ultrapassá-la".  
 
A teoria de Reich, nesses termos, é muito boa, pois serviu de base a várias abordagens criativas que, cada uma à sua maneira, ao reescreverem Reich, aprofundaram a visão do seu criador. Lowen foi um deles, assim como Keleman, Boadella, Boyesen e outros. Ele fez terapia com Reich de 1942 a 1945, três vezes por semana. "Minha terapia se encerrou em 1945 quando o reflexo orgástico se desenvolveu regularmente durante minhas sessões. Aquele desenvolvimento aparentemente significava que eu não era mais um indivíduo neurótico. Em 1945 comecei a atender pacientes. Duas pessoas que haviam se trabalhado com Reich me contaram que em poucos meses tinham desenvolvido o reflexo orgástico. Reich então os liberou como curados, mas seus antigos problemas retornaram e eles me procuraram. Nesta época eu já havia percebido que eu não estava absolutamente curado. Eu ainda tinha muitos problemas, incluindo muitos problemas sexuais. Estava claro que Reich tinha alcançado seus resultados muito em função do poder de sua personalidade. Quando voltei da Suíça com minha graduação em Medicina, eu sabia que tinha que trabalhar mais comigo mesmo, tanto física como psicologicamente. A terapia com Reich me ajudou muito, mas eu não tinha ido fundo o bastante. Reich não tinha feito análise suficiente - na verdade, muito pouca - e não tinha feito trabalho corporal suficiente. Eu desenvolvi a Análise Bioenergética para tornar a terapia reichiana mais efetiva. Isto forçou algumas mudanças nas conceitualizações de Reich acerca da sexualidade".  
 
As Mudanças Propostas por Lowen 
 
Reich propõe que a busca da saúde emocional implica em evoluir do orgasmo restrito apenas aos genitais (potência eretiva) de modo a expandir as sensações orgásticas para os segmentos corporais. As sensações orgásticas chegam ao cérebro, em forma de ondas de excitação, e passam para o corpo inteiro como experiência emocional, de entrega, integradora. A pessoa que atingisse esta experiência teria adquirido a potência orgástica e hipoteticamente a cura da neurose.  
 
Reich sempre criticou o mecanicismo e o misticismo. Coloca ambos como dois lados da mesma moeda. Tanto no mecanicismo como no misticismo, o Orgasmo foi transmutado em outra coisa. No indivíduo mecanicista é transmutado em poder, posse de objetos sexualmente catexizados (carros, por exemplo, ou tecnologia, ou cientificismo mecanicista). Numa pesquisa nos Estados Unidos publicada no livro "The Way Men Think" as autoras evidenciaram que numa população de homens cientistas de diversas universidades, podia-se deduzir que a "ferida masculina", sempre ligada à sexualidade, era transmutada em produção científica tradicional. Isto seria um exemplo da sexualidade mecanicista, na linguagem de Reich.  
 
Do outro lado da moeda, está o homem místico. Só que Reich olhou o lado do místico asceta que nega a sexualidade e a transmuta na função religiosa asceta, com negação do prazer físico. O próprio Reich era um místico não asceta (a observação da Superposição Cósmica, o estudo dos campos de energia o levaram ao território do espírito). Embora Reich buscasse explicações materialistas e racionais para seus sentimentos de contato cósmico, esta espécie de arrogância mental talvez tenha lhe custado um alto preço. Para Reich, na superposição cósmica, que é a fusão de dois organismos, o que ocorre é uma função religiosa no sentido de que religa o que estava separado. Religa o homem consigo mesmo, com seu corpo, seus sentimentos, seu espírito, bem como com o parceiro, com a natureza, com a Vida. 
 
O que nos diz Lowen? Em 1993 ele escreve: "A experiência orgástica plena, embora uma experiência culminante (na linguagem de Maslow), pode não modificar profundamente a personalidade nem afetar a saúde emocional da pessoa". Portanto, segundo Lowen, "... nós não podemos tornar a potência orgástica plena o objetivo da terapia. Um alpinista que mantenha seus olhos fixos no pico cairá numa fenda mortal". 
 
Mudança de rumo 
 
Esta foi a grande mudança de rumo proposta por Lowen: da sexualidade para a busca de um Ego forte e maduro. 
 
A Personalidade saudável é definida por 3 capacidades: 
 
· Self connection (auto-conhecimento): contato consigo mesmo 
 
· Self expression (auto-expressão): acreditar na própria expressividade.  
 
· Self possession (auto-possessão): ser dono de si. 
 
Estes passam a ser os objetivos da terapia. "Quando o indivíduo é livre na sua auto-expressão, ele é também livre na expressão do seu sentimento sexual". O objetivo da terapia deve ser o desenvolvimento de uma personalidade saudável, madura. A descoberta de Lowen sobre o grounding, o fato de pôr o cliente em pé sobre suas próprias pernas, reflete essa postura. 
 
Ecletismo 
 
Então, como vamos trabalhar em terapia? 
 
Gregório Baremblitt nos diz que Ecletismo Superior não é superficializar, mas extrair de cada escola aquilo que ela tem de melhor a oferecer. Ao fazer essa filtragem, deixamos cair em desuso teorias e práticas que já não funcionam mais, ou porque não se provaram úteis ao longo do tempo, ou porque surgiram outras mais eficazes. Isto implica na liberdade de expressão mencionada por Lowen, na capacidade de questionar os ensinamentos dos mestres, conscientes que a única certeza é a certeza da mudança e que nós somos agentes dessa mudança. 
 
Já vivemos e sobrevivemos à fase em que na terapia se buscava "perder a cabeça para ganhar seus sentimentos", que o próprio Lowen defendia. Essa é uma das idéias que caiu em desuso, assim como a idéia da potência orgástica como indicador da saúde emocional.  
 
"Auto-expressão e auto controle são dois pólos do funcionamento saudável" e "... sexo é apenas uma das vias pela qual o indivíduo se expressa", prossegue Lowen em 1993. 
 
Outro conceito que se colocou após Reich foi o da contenção, que não existe na fórmula Tensão / Carga / Descarga / Relaxamento. Para Reich, fruto da repressão vitoriana, a descarga das energias represadas traria a saúde. 
 
No entanto, quando lemos atentamente sobre a angústia de queda na Biopatia do Câncer, Reich diz que falta algo a ser explicado. Ele não tinha solução melhor na época para as dificuldades que denominou angústia de queda e que podia levar a biopatias graves. Agora podemos supor que a angústia de queda decorre de um vazamento de energia, que precisaria ser contido. 
 
Hoje, ao pensarmos em energia não podemos deixar de incluir, além do conceito reichiano de pulsação, também fluxo, direção, centramento, grounding e contenção. O conjunto dessas funções, quando coexistem harmoniosamente com Tensão, Carga, Descarga e Relaxamento, compõem uma dimensão da saúde no universo emocional e no social. 
 
Inclusões em vez de Exclusões 
 
Reich viveu sua vida com muitas exclusões, devido à sua história pessoal, seu caráter e à rigidez e intolerância de seu tempo. Foi excluído várias vezes, a última do convívio social quando foi encarcerado. Nós temos a felicidade de viver um momento de Inclusões. Como os eventos de Psicoterapias Corporais. É como eu entendo, pratico e ensino a Análise Bioenergética, na qual se incluem as contribuições de Keleman, Boadella, Charles Kelley, John Pierrakos, Gerda Boyesen. Hoje, eu incluo Programação Neuro Linguistica e Terapia da Linha do Tempo, se for o caso. A visão sistêmica se tornou tão natural quanto a visão energética. 
 
A Espiritualidade do Corpo 
 
Lowen nos fala da espiritualidade do corpo,,mas foi John Pierrakos que se dedicou a criar a ponte entre o espiritual e a psicoterapia: construir o grounding no corpo, na realidade deste mundo e na consciência (Energia e Consciência são as bases do trabalho de John Pierrakos) para evoluirmos através da conjunção das energias sexual e espiritual. Essa conjunção se dá no nível do coração e se expressa como Amor. 
 
O que há de novo? Reich apontou caminhos ... A fronteira do nosso conhecimento nos leva a buscar conhecer melhor não só o corpo visível com seus sistemas de órgãos, mas também esse órgão vivo à nossa volta, nosso campo energético. Assim como nossos músculos e vísceras se encouraçam, o campo energético também se encouraça. Couraça é um mecanismo energético emocional que diminui e até paraliza o fluxo de energia, com a função de nos proteger de sentimentos dolorosos ou angustiantes. O nosso campo, que nos rodeia como uma membrana, é um órgão de contato, percepção (intuitiva/emocional), carga e descarga. É passível de tensão e relaxamento; coesão e dissolução. O Campo Energético se encouraça, e tem a ver com nossa alma. O Campo Energético é o território da comunicação espiritual, bem como emocional. Podemos lidar diretamente com os encouraçamentos do campo? É possível curar a alma em terapia? Hoje já podemos dizer, com a necessária humildade, que sim. 
 
Enfim, a Função de Orgasmo, longe de ser um tema esgotado, abre possibilidades de explorarmos diferentes experiências orgásticas: onde há fusão, expansão, sexualidade, amor, prazer, nutrição emocional, podemos chamar de experiência orgástica, ainda que não haja expressão através do contato genital.  
 
Acredito que uma vivência em grupo, por exemplo, onde foi feito trabalho corporal para integrar a pelve e o coração, junto com o afeto compartilhado no grupo, pode ser chamada de experiência orgástica. Foi um trabalho grupal que seguiu o modelo da curva orgástica. Na relação de casal, acredito que essas experiências podem aliviar a pressão sobre a relação a dois, a pressão por vezes excessiva para que essa relação dual supra todas as nossas necessidades narcísicas de amor, contato, reconhecimento, etc.  
 
A curva orgástica, no meu entender, continua sendo um modelo útil para entendermos as experiências nas quais sentimos comunhão. 
 
E então, como ficamos agora com a pergunta "O que é isso?" Se a experiência orgástica resolvesse o problema da humanidade, estaríamos então resolvendo o dilema da condição humana. Ainda bem que a nossa curiosidade continua sendo desafiada por nós mesmos! 
 
Sumarizando 
 
O que é igual? 
 
A Função do Orgasmo como curva orgástica é sinônimo de movimento de onda, de harmonia, de auto regulação. 
 
O anseio pelo orgasmo pleno corresponde ao anseio de contato cósmico. 
 
O que é diferente? 
 
· Sexualidade é uma das expressões da personalidade madura saudável. São três os objetivos da terapia: 
 
Auto-conhecimento (contato consigo mesmo) 
 
Auto-expressão 
 
Auto-possessão 
 
· Ecletismo (do tipo superior descrito por Gregório Baremblitt) com inclusão de outras teorias; 
 
· Energia e Consciência; 
 
· Estudo do campo energético e seu encouraçamento. 
 
Lowen nos diz em seu livro Alegria: "O único milagre que ocorre regularmente é o milagre da criação de uma nova vida".  
 
BIBLIOGRAFIA  
 
Baremblitt, G (1997) Palestra no Encontro Reichiano no Instituto Sedes Sapientiae. 
 
LOWEN, A (1982) Bioenergética. São Paulo, Summus. 
 
LOWEN, A (1992) Ego Caráter e Sexualidade, Journal of the International Institute for Bioenergetic Analysis, Vol 5 No. 1:3-18. 
 
LOWEN, A (1995) Alegria. São Paulo, Summus 
 
LOWEN, A (1995) A Espiritualidade do Corpo. São Paulo. Editora cultrix 
 
Pierrakos, J. (1987) Energética da Essência. São Paulo. Pensamento. 
 
Reich, W. (1948) The Cancer Biopathy. New York, Orgone Institute Press. 
 
Reich, W (1975) A Função do Orgasmo, São Paulo, Brasiliense.  
 
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[1] Este texto foi baseado na Palestra proferida no Encontro 100 Anos de Reich em S. Paulo (1997) e posteriormente publicado na Revista Psicoterapia Corporal do Centro Reichiano, Curitiba.